Qual é o futuro da criminalização da apropriação indébita tributária?
Nossa opinião:
Tema dos mais atuais e controversos no campo do direito penal empresarial diz respeito à apropriação indébita tributária, crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, que consiste em “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
Após período de intensa divergência na jurisprudência dos tribunais, o STF estabeleceu, no julgamento do RHC 163.33, que “a caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais”.
Apesar das justas críticas à pretensão de utilização do direito penal como instrumento de “otimização” da arrecadação estatal, a decisão se mostra auspiciosa ao menos no ponto em que passa a exigir do Ministério Público a demonstração do dolo específico para consumação do crime, não bastando mais a invocação do chamado dolo genérico, cujo manejo justificou a imposição de penas a dirigentes e acionistas de empresas independentemente da apresentação de provas robustas sobre a sua efetiva contribuição para supressão dos tributos declarados, porém não recolhidos. Tal compreensão espelha, inclusive, o entendimento recentemente adotado pelo STJ no julgamento dos Embargos Declaratórios opostos em face do Agravo Regimental no HC 675.289: “[a] exigência de dolo especifico no crime do art. 2º, II, da Lei 8.137/90, conforme o precedente do STF, de fato oxigena a inteligência desse preceito típico, porquanto a só exigência do dolo genérico implicaria, na prática, uma verdadeira responsabilidade penal objetiva, por não aferir o elemento subjetivo do crime (art. 18, parágrafo único - CP)”.
Assim, em nossa opinião, o crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/90, após a referida decisão do STF, somente se consuma diante de caracterização de um contexto de inadimplência sistemática ou contumaz motivada pela adoção, por parte do empresário de uma série de expedientes fraudulentos que visam ou seu enriquecimento ilícito, ou o estabelecimento de uma concorrência desleal ou, ainda, o autofinanciamento da atividade empresarial. Além desses cenários e de outros que porventura com eles se assemelhem, o que resta é o excesso punitivo, a ser combatido, sempre por meio da lembrança de que a tutela penal deve ser o último, porquanto mais gravoso, recurso de que dispõe o Estado.